Fogo maduro
«Entre a taça e o lábio muitas coisas acontecem.» Páladas de Alexandria
03/10/2011
02/10/2011
IMITAÇÃO DE OVÍDIO
nós somos um par de instrumentos solitários
também solidários
o nosso papel é pequeno
começa e acaba aí.
uma falha
como as há em todos os sistemas
uma doença talvez desconhecida
ou pelo menos
não nomeada:
parece uma faca
a traçar a nossa fronteira
na pele, já quase dentro.
impossível apagar.
à nossa frente
alinham outros
em passo grave.
transportam as suas ideias
como andores,
ideias que
ao nascer
já não são nascentes
e
vão todas em direcção ao poente.
(...)
Alberto Pimenta
10/09/2011
AO CONTRÁRIO DE ULISSES
Infeliz quem, ao contrário
de Ulisses, volte a casa
e nem sequer um cão, nem
um cão morto sequer, ladre.
Pedro Mexia
com a devida vénia, de Menos por Menos, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Abril de 2011
04/05/2011
HASSASIN
A mão que atira a pedra
sabe que as carícias diluem os corpos,
que o desejo enrola os seus caminhos sem os ter percorrido.
Também a sede escreve em cadernos sem páginas.
Vestidos de abismo, fazemos do fumo um único pijama;
tudo quanto sonhamos hoje, amanhã será um cinzeiro.
Noite é o nome da árvore mais alta sobre a terra.
A sua infinita sombra faz-se de todas as cinzas.
Entre os seus ramos mais altos engordam os nossos assassinos.
Jesús Jiménez Domínguez
com a devida vénia de criatura - N.º 5 . OUTUBRO . 2010, Selecção e tradução de Diogo Vaz Pinto e Luís Filipe Parrado
sabe que as carícias diluem os corpos,
que o desejo enrola os seus caminhos sem os ter percorrido.
Também a sede escreve em cadernos sem páginas.
Vestidos de abismo, fazemos do fumo um único pijama;
tudo quanto sonhamos hoje, amanhã será um cinzeiro.
Noite é o nome da árvore mais alta sobre a terra.
A sua infinita sombra faz-se de todas as cinzas.
Entre os seus ramos mais altos engordam os nossos assassinos.
Jesús Jiménez Domínguez
com a devida vénia de criatura - N.º 5 . OUTUBRO . 2010, Selecção e tradução de Diogo Vaz Pinto e Luís Filipe Parrado
23/02/2011
[As mulheres que surgem no navio]
(...)
As mulheres que surgem no navio
esqueceram o amor e a indignação,
são fogos de Santelmo,
aparecem no sono,
e fingimos que o barco chega
à Ilha dos Amores, e aí nos deixa,
raparigas nuas e perfeitas,
e todas diferentes,
embora com os mesmos papos-de-anjo
do Caminho Marítimo para a Índia,
os olhos cintilantes,
o corpo doido prestes a chamar a si
a polução nocturna.
(...)
Nuno Dempster
com a devida vénia, de K3, & etc, 2011
As mulheres que surgem no navio
esqueceram o amor e a indignação,
são fogos de Santelmo,
aparecem no sono,
e fingimos que o barco chega
à Ilha dos Amores, e aí nos deixa,
raparigas nuas e perfeitas,
e todas diferentes,
embora com os mesmos papos-de-anjo
do Caminho Marítimo para a Índia,
os olhos cintilantes,
o corpo doido prestes a chamar a si
a polução nocturna.
(...)
Nuno Dempster
com a devida vénia, de K3, & etc, 2011
12/12/2010
Antonio Cicero - "O PAÍS DAS MARAVILHAS"
Não se entra no país das maravilhas
pois ele fica do lado de fora,
não do lado de dentro. Se há saídas
que dão nele, estão certamente à orla
iridescente do meu pensamento,
jamais no centro vago do meu eu.
E se me entrego às imagens do espelho
ou da água, tendo no fundo o céu,
não pensem que me apaixonei por mim.
Não: bom é ver-se no espaço diáfano
do mundo, coisa entre coisas que há
no lume do espelho, fora de si:
peixe entre peixes, pássaro entre pássaros,
um dia passo inteiro para lá.
Antonio Cicero
com a devida vénia, de Di Versos 9 - Revista Semestral de Poesia e Tradução, Edições Sempre-em-Pé, Primavera de 2006
08/12/2010
CASTELO DE AGROMONTE
À distância da alta janela
era uma mulher sem idade. Estou em crer
era ainda rapariga
sob a trovoada e a chuva
seguia por entre os jazigos - góticas
capelas imperfeitas -
ia pelo caminho de saibro
ao encontro dos amados mortos. Abriu a torneira, a água
correu, lavou a jarra,
água para amarelos crisântemos. Água
límpida para os seus amados mortos
em véspera de todos-os-santos (amanhã é feriado,
reclamam-na os vivos
bem menos amados - dos vivos não pode dizer seus não
pode pousar
sobre a pedra branda dos leitos
a jarra, roxos crisântemos amarelos)
- Como se chama o cemitério, além
- Agromonte, senhor
João Miguel Fernandes Jorge
com a devida vénia, de SOBRE MÁRMORE, Edição Teatro de Vila Real, Outubro de 2010
era uma mulher sem idade. Estou em crer
era ainda rapariga
sob a trovoada e a chuva
seguia por entre os jazigos - góticas
capelas imperfeitas -
ia pelo caminho de saibro
ao encontro dos amados mortos. Abriu a torneira, a água
correu, lavou a jarra,
água para amarelos crisântemos. Água
límpida para os seus amados mortos
em véspera de todos-os-santos (amanhã é feriado,
reclamam-na os vivos
bem menos amados - dos vivos não pode dizer seus não
pode pousar
sobre a pedra branda dos leitos
a jarra, roxos crisântemos amarelos)
- Como se chama o cemitério, além
- Agromonte, senhor
João Miguel Fernandes Jorge
com a devida vénia, de SOBRE MÁRMORE, Edição Teatro de Vila Real, Outubro de 2010
28/11/2010
[partir]
partir
correr
horizontes
sair
do corpo
efémero
e voar
Xavier Zarco
com a devida vénia, de O Livro dos Murmúrios, Palimage Editores, Viseu, 1998
correr
horizontes
sair
do corpo
efémero
e voar
Xavier Zarco
com a devida vénia, de O Livro dos Murmúrios, Palimage Editores, Viseu, 1998
23/11/2010
[do mundo que malmolha ou desolha não me defendo]
do mundo que malmolha ou desolha não me defendo,
nem de mim mesmo, à força
de morrer de mim na minha própria língua,
porque eu, o mundo e a língua
somos um só
desentendimento
Herberto Helder
neste dia de aniversário do Poeta, com a devida vénia, de A FACA NÃO CORTA O FOGO, Assírio & Alvim, Setembro de 2008
nem de mim mesmo, à força
de morrer de mim na minha própria língua,
porque eu, o mundo e a língua
somos um só
desentendimento
Herberto Helder
neste dia de aniversário do Poeta, com a devida vénia, de A FACA NÃO CORTA O FOGO, Assírio & Alvim, Setembro de 2008
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